Art. 5º
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes: (Constituição Federal de 1988).
O Princípio da Igualdade material tem aplicação
não apenas quando do tratamento a ser dispensado a pessoas diferentes, mas
possui também aplicação do tratamento a ser dispensado à mesma pessoa em
instâncias diferentes. Parece lógico, mas nem sempre tal princípio é respeitado
nesses termos.
O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
possui normas internas procedimentais que ajudam a instrumentalizar seus
processos administrativos de acordo com a legislação vigente. Como o INSS é
pautado pela estrita legalidade, tais procedimentos são demasiadamente rigorosos,
pois não gozem do livre convencimento, como no judiciário.
O STJ tem firmado posicionamento no sentido de
que, em razão do Princípio da Igualdade, o INSS tem que dar o mesmo tratamento
ao segurado na via judicial que suas instruções determinam na via
administrativa, salvo quando uma instrução vai além da lei, e cria regras, ou
quando apenas aceita exclusivamente algumas provas.
EMBARGOS DE
DIVERGÊNCIA. PREVIDENCIÁRIO. CONVERSÃO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL EM COMUM.
EXPOSIÇÃO A RUÍDO. LIMITE MÍNIMO. 1. Estabelecendo a autarquia previdenciária,
em instrução normativa, que até 5/3/1997 o índice de ruído a ser considerado é
80 decibéis e após essa data 90 decibéis, não fazendo qualquer ressalva com
relação aos períodos em que os decretos regulamentadores anteriores exigiram os
90 decibéis, judicialmente há de se dar a mesma solução administrativa, sob
pena de tratar com desigualdade segurados que se encontram em situações
idênticas. 2. Embargos de divergência rejeitados (STJ - EREsp: 412351 RS
2004/0017645-6, Relator: Ministro PAULO GALLOTTI, Data de Julgamento:
27/04/2005, S3 - TERCEIRA SEÇÃO, Data de
Publicação: DJ 23.05.2005 p. 146)
Este que vos escreve tem sido
ferrenho defensor da aplicação da Isonomia nos processos administrativos e judicias,
ao passo que tenho vociferado que direitos já reconhecidos pela Administração
sejam questionados novamente em juízo.
No último ano, ao assessorar para
a TNU e TRU, tive o prazer de poder opinar em algumas decisões. Quando aventada
a tese de que a renda era inferior a um quarto de salário-mínimo e o INSS já
havia declarado em laudo social que restava incontroversa a miserabilidade e a
procuradoria do INSS argumentara a necessidade laudo, fiz questão de apontar ao
tratamento anti-isonômico que seria dado ao jurisdicionado se a justiça
desconsiderasse o laudo do próprio INSS e aceitasse a argumentação judicial daquela
autarquia.
Acordão publicado, o magistrado
entendeu que o comportamento da autarquia realmente seria contraditório e que
se, havia reconhecimento administrativo, em via judicial o INSS não poderia dar
outro tratamento ao segurado, afastando reconhecimentos de direitos realizados
em seu próprio processo administrativo. É o reconhecimento do instituto do
direito romano do venire contra factum
proprium, a vedação ao comportamento contraditório de reconhecer com incontroverso um ponto no processo administrativo e questioná-lo em juízo.
Sem mais delongas, deixo-lhes com
a possibilidade de se deleitarem com o acórdão a seguir.
VOTO-EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA PER
CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR. ART. 20 PARÁGRAFO 3o DA LEI NO 8.742/93.
INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE DECLARADA PELO STF. AVALIAÇÃO
SOCIAL REALIZADA NA VIA ADMINISTRATIVA DEMONSTRA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE
COMPROVADA. PROIBIÇÃO DO "VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM". RECURSO
INOMINADO IMPROVIDO.
1.A CF/88 prevê em seu art. 203, caput
e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa
portadora de deficiência e ao idoso.
2. Para a concessão do benefício de
amparo social devem estar presentes dois pressupostos, quais sejam: a
comprovação de não possuir o requerente meios de prover a própria manutenção ou
de tê-la provida por seus familiares, somada ao implemento da idade de 65 anos
ou à deficiência física ou mental, sendo estes os únicos requisitos necessários
à concessão do referido benefício.
3. Na situação em apreço, restou
comprovado que o autor é portador de retardo mental grave e epilepsia,
causando-lhe limitação no desempenho de atividades compatíveis com a sua idade,
caracterizando restrição na sua participação plena e efetiva na sociedade em
condições de igualdade com as demais pessoas, especialmente com outras
crianças/adolescentes (laudo pericial constante no anexo 11). A controvérsia
recursal cinge-se tão somente ao requisito da miserabilidade.
4. A Lei no 8.742/93, em seu art. 20,
§3o, considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou
idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do
salário-mínimo.
5. O egrégio Supremo Tribunal Federal,
inicialmente, em 1998, declarou a constitucionalidade desse dispositivo legal
(Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1232-1-DF). Entretanto, no julgamento
da Reclamação nº 4374, bem assim do RE 567985, em 19/04/2013, declarou a
inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, reconhecendo
que na análise de situação concreta, o juiz não está impedido de averiguar
outros elementos a levarem à conclusão do estado de pobreza do(a) postulante do
benefício versado na Lei Orgânica da Assistência Social, não se prendendo ao
parâmetro estrito da regra legal de um quarto do salário mínimo.
6. Considerou-se que as leis
10689/2003, 10836/2004 e 10219/2001 abriram portas para a concessão do
benefício assistencial fora dos parâmetros objetivos fixados pelo art. 20 da
LOAS (Lei 8742/93), e assim os juízes e tribunais passaram a estabelecer o
valor de meio salário mínimo como referência para aferição de renda familiar
per capita. Mais que isso, a miserabilidade familiar pode ser aferida inclusive
por outros meios de prova constantes dos autos.
7. A jurisprudência do STJ é pacífica
no sentido de que, para fins de concessão de benefício assistencial, deve ser
excluído do cálculo familiar per capita qualquer benefício de
valor mínimo independentemente de se tratar de benefício assistencial ou
previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único do
art. 34 do Estatuto do Idoso (STJ, AgRg no AREsp 22761/PR, DJe 19/10/2012).
8. No caso concreto, além da declaração
de composição familiar, a sentença de piso fundamentou o preenchimento do
requisito da miserabilidade segundo as informações contidas na avaliação social
realizada pelo próprio INSS. Frise-se que o motivo do indeferimento do
requerimento administrativo consistiu apenas na inexistência de incapacidade.
Com efeito, a avaliação social levada a cabo pela autarquia previdenciária
consignou que:
“O menor convive
apenas com sua genitora, 33, solteira, curso médio completo, porém,
desempregada. Divida entre os cuidados com os filhos, o maior de 14 anos, ainda
necessita buscar mios pra prover a sustentabilidade da família. Portanto,
eventualmente exerce serviços de faxina e lavagem de roupa quando solicitados
pela vizinhança. O recebimento do Bolsa Família, no valor de cento e noventa e
sete reais é a única fonte de renda fixa que pode contar. O relacionamento com
o ex companheiro/pai do menor, não permanecera por muito tempo. Dele não recebe
qualquer tipo de ajuda material e menos ainda, apoio afetivo. O grupo familiar
não possui moradia própria. Segundo informação, a residência de três cômodos
ocupada, fora cedida temporariamente por amigos. Está situada em região
metropolitana. Há vulnerabilidade ainda no acesso a determinadas políticas
públicas que não chegam ao alcance da população local. Dentre estes serviços,
destaca-se o não abastecimento de água encanada, sendo esta oriunda de um poço
profundo, onde as condições higiênicas desfavorece o consumo. A criança também,
tem somente acesso a um deficitário tratamento de saúde mediante pagamento, tão
difícil é a dificuldade atendimento pelo SUS”
Posto isto, verifica-se que a renda per
capta familiar é inferior a 1/4 do salário mínimo (R$ 197,00).
9. O recurso inominado do INSS, de
forma contraditória, limita-se a requerer perícia social a ser designada pelo
juízo a fim de ser constatada a vulnerabilidade social. Ocorre que aceitar da
Administração Pública argumentação que contradiz sua própria avaliação social
seria causar incerteza ao jurisdicionado ou, no mínimo, descrença no poder
judiciário, que estaria elidindo um direito que é garantido nos próprios
balcões das repartições públicas.
Segundo Anderson Schreiber (2005, p. 50
apud WALDRCIH, Rafael S., 2014, p. 125) a vedação ao comportamento
contraditório não busca apenas coerência por si só, mas a proibição de
despertar direitos que não podem ser garantidos. Verbis:
De fato, a proibição
de comportamento contraditório não tem por fim a manutenção da coerência por si
só, mas afigura-se razoável apenas quando e na medida em que a incoerência, a
contradição aos próprios atos, possa violar expectativas despertadas em outrem
e assim causar-lhes prejuízos. Mais que contra a simples coerência, atenta o “venire
contra factum proprium” à confiança despertada na outra parte, ou em
terceiros, de que o sentido objetivo daquele comportamento inicial seria
mantido, e não contrariado.
Nesse sentido, impõem relembrar a válida
lição do eminente Ministro Rosado de Aguiar sobre o assunto:
O princípio da boa-fé
deve ser atendido também pela administração pública, e até com mais razão por
ela, e o seu comportamento nas relações com os cidadãos pode ser controlado
pela teoria dos atos próprios, que não lhe permite voltar sobre os próprios
passos depois de estabelecer relações em cuja seriedade os cidadãos confiam.
(REsp 141.879/SP, Rel: Min. Rosado de Aguiar, DJ 22.06.1998)
O positivismo jurídico deve garantir
também aos administrados a segurança nas relações jurídicas sobre as que estão
imputados. Afinal, o judiciário não deve ser o último receptáculo de todas as
demandas. A finalidade do poder administrativo é também evitar que toda demanda
seja elucidada pelo controle jurisdicional.
10. Por tal razão, deve o julgado
ser mantido em todos os seus termos e pelos próprios fundamentos, na forma
prevista no art. 46 da Lei nº. 9099/95, verbis:
Art. 46. O julgamento
em segunda instância constará apenas da ata, com a indicação suficiente do
processo, fundamentação sucinta e parte dispositiva. Se a sentença for
confirmada pelos próprios fundamentos, a súmula do julgamento servirá de
acórdão.
10. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso para confirmar a sentença
que julgou procedente o pedido formulado na inicial. Condeno o(a) recorrente em honorários advocatícios, fixados em 10% (dez
por cento) sobre o valor da condenação, devidamente atualizado, a teor do art.
55 da Lei nº. 9.099/95.
Professor, você poderia colocar o número do processo do último acórdão?
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