quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Prévio Requerimento de Restabelecimento: Um Análise Jurisprudencial da Desnecessidade

            O direito de acesso à justiça está previsto em nossa Constituição de modo a garantir que todo pleito seja passível de análise pelo judiciário. Fato incontroverso, é necessário analisar sua aplicação ao processo previdenciário.
          O INSS é a autarquia responsável pela administração previdenciária, como é sabido. Mas, por vezes, seus entendimentos administrativos estão em desacordo com o entendimento do judiciário. Portanto, um segurado bem instruído, por advogado ou não, saberá que seu direito está resguardado, independente da vontade da Administração Pública. Chegamos ao ponto: quando é necessário que primeiro a Administração seja provocada e resista a pretensão do administrado para que se invoque o direito de acesso a justiça?
            O entendimento que "o exaurimento da via administrativa" seria necessário sempre foi pacífico, ao ponto de o extinto TFR e o TRF da 2a região sumularem tal entendimento.

Súmula 213 do TFR:
O exaurimento da via administrativa não é condição para a propositura de ação de natureza previdenciária.

Súmula 44 do TRF da 2a Região:
Para a propositura de ações de natureza previdenciária é desnecessário o exaurimento das vias administrativas.

           O entendimento é sufragado pelo princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário.
           Mas, agora, um desafio: será que em todas causas é necessário o ingresso na via administrativa, ainda que não seja necessário seu exaurimento?
           A resposta nos foi dada pelo STF, através de voto da lavra do Min. Luis Roberto Barroso, que classificou as ações previdenciárias em três tipos:
(i) as que buscam uma relação inicial com a previdência social e, portanto, demandam o prévio requerimento.
(ii) as que buscam a melhoria, extensão, revisão ou continuidade de uma relação com a previdência social, que prescindem de prévio requerimento
(iii) aquelas cujo indeferimento é notório, ou seja, cuja pretensão administrativa será de certo de resistida, por não haver previsão em sua rotina (desaposentação, adicional de 25% para outras aposentadorias que não a de invalidez, exclusão do fator previdenciário do professor etc.)
            Novo desafio que o processo previdenciário passou, e teve que dirimir, foi quanto a necessidade ou não de prévio requerimento para fins de restabelecimento de auxílio-doença.
            A chamada "alta programada" já foi objeto de questionamento judicial. O judiciário entendeu ser legal a previsão de recuperação da saúde do segurado. Contudo, o que há de ser verificado aqui é se, por já haver uma relação jurídica com a previdência social, seria ou não necessário o prévio requerimento do restabelecimento para fins de postulação judicial.
        A previsão do auxílio-doença é de que tal benefício seja devido para o segurado incapaz por mais de quinze dias (faça-se a ressalva de que a MP 664 alterou esse prazo para trinta dias, mas quando de sua conversão, o prazo de quinze dias voltou a viger).
        Com efeito, não há previsão de que o benefício seja cessado pelo simples transcurso de tempo. Mas é devido até perdurar a incapacidade temporária. Verbis:          
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
        A obrigação de cobrir o evento incapacidade é tamanha que a legislação aplicável, inclusive, prevê a transformação do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez, quando for verificada a incapacidade total e permanente:
Art. 62. O segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. Não cessará o benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for aposentado por invalidez.
        Logo, por ter a Administração que manter o benefício até que se perdurar a incapacidade, a cessação indevida do benefício parece-nos já demonstrar a pretensão resistida por parte da autarquia, sendo desnecessário o prévio requerimento, ou ainda, como chegou-se a aventar por parte de alguns juízes, a necessidade de Pedido de Prorrogação (PP).
         Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 631.240 (MG) entendeu que, por já haver uma relação jurídica com a Previdência Social, as ações que em que se postulasse o restabelecimento do benefício prescindiriam de prévio requerimento, sendo, inclusive, tal espécie de ações, elencadas no item 29 do voto do nobre relator. Verbiis:
29. As principais ações previdenciárias podem ser divididas em dois grupos: (i) demandas que pretendem obter uma prestação ou vantagem inteiramente nova ao patrimônio jurídico do autor (concessão de benefício, averbação de tempo de serviço e respectiva certidão etc.); e (ii) ações que visam ao melhoramento ou à proteção de vantagem já concedida ao demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício em modalidade mais vantajosa, restabelecimento, manutenção etc.).
30. No primeiro grupo, como regra, exige-se a demonstração de que o interessado já levou sua pretensão ao conhecimento da Autarquia e não obteve a resposta desejada. No segundo grupo, precisamente porque já houve a inauguração da relação entre o beneficiário e a Previdência, não se faz necessário, de forma geral, que o autor provoque novamente o INSS para ingressar em juízo.

            Interessante é que o STF, a corte mais alta, entendeu que as demandas de restabelecimento prescindiriam de prévio requerimento, mas a maioria do judiciário ainda resistia à ideia.
            Contudo, mês passado, na sessão plenária da Turma nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU),o a tese fora fixada por aquele colegiado, que asseverou a desnecessidade de prévio requerimento para restabelecimento de auxílio-doença. Verbiis:

6. Em 03 de setembro de 2014, o E. Supremo Tribunal Federal julgou em sede de repercussão geral o RE nº 631.240/MG, no qual se discutia a constitucionalidade da exigência de prévio requerimento administrativo como condição para propositura de ações judiciais previdenciárias, à luz das cláusulas da separação dos Poderes e da inafastabilidade da jurisdição. A Corte assim decidiu, nos termos do voto do Relator, o Eminente Ministro Luís Roberto Barroso:
“(...)
28. Por se tratar de decisão proferida em sede de repercussão geral, cuja orientação deverá ser seguida por todos os demais Tribunais, cumpre demarcar o exato alcance da tese que está aqui sendo firmada, inclusive para deixar claro a quais situações ela não se aplica. Por se tratar de decisão proferida em sede de repercussão geral, cuja orientação deverá ser seguida por todos os demais Tribunais, cumpre demarcar o exato alcance da tese que está aqui sendo firmada, inclusive para deixar claro a quais situações ela não se aplica.
29. As principais ações previdenciárias podem ser divididas em dois grupos: (i) demandas que pretendem obter uma prestação ou vantagem inteiramente nova ao patrimônio jurídico do autor (concessão de benefício, averbação de tempo de serviço e respectiva certidão etc.); e (ii) ações que visam ao melhoramento ou à proteção de vantagem já concedida ao demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício em modalidade mais vantajosa, restabelecimento, manutenção etc.).
30. No primeiro grupo, como regra, exige-se a demonstração de que o interessado já levou sua pretensão ao conhecimento da Autarquia e não obteve a resposta desejada. No segundo grupo, precisamente porque já houve a inauguração da relação entre o beneficiário e a Previdência, não se faz necessário, de forma geral, que o autor provoque novamente o INSS para ingressar em juízo.
31. Isto porque, como previsto no art. 88 da Lei nº 8.213/1991, o serviço social do INSS deve “esclarecer junto aos beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas que emergirem da sua relação com a Previdência Social, tanto no âmbito interno da instituição como na dinâmica da sociedade”. Daí decorre a obrigação de a Previdência conceder a prestação mais vantajosa a que o beneficiário faça jus, como prevê o Enunciado nº 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social (“A Previdência Social deve conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor orientá-lo nesse sentido”).
32. Assim, uma vez requerido o benefício, se for concedida uma prestação inferior à devida, está caracterizada a lesão a direito, sem que seja necessário um prévio requerimento administrativo de revisão. A redução ou supressão de benefício já concedido também caracteriza, por si só, lesão ou ameaça a direito sindicável perante o Poder Judiciário. Nestes casos, a possibilidade de postulação administrativa deve ser entendida como mera faculdade à disposição do interessado.
33. Portanto, no primeiro grupo de ações (em que se pretende a obtenção original de uma vantagem), a falta de prévio requerimento administrativo de concessão deve implicar a extinção do processo judicial sem resolução de mérito, por ausência de interesse de agir. No segundo grupo (ações que visam ao melhoramento ou à proteção de vantagem já concedida), não é necessário prévio requerimento administrativo para ingresso em juízo, salvo se a pretensão depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração. Há, ainda, uma terceira possibilidade: não se deve exigir o prévio requerimento administrativo quando o entendimento da Autarquia Previdenciária for notoriamente contrário à pretensão do interessado. Nesses casos, o interesse em agir estará caracterizado. (grifos não originais).
7. A seguir, ementa do julgado:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão”. (...) (grifos não originais)
(RE nº 631.240/MG. Relator: Ministro Luís Roberto Barroso. DJ: 03/09/2014).
8. No caso dos autos, na esteira do entendimento consolidado do STF, tratando-se de pedido de restabelecimento de benefício de auxílio-doença cessado em razão de alta programada, desnecessário o prévio ingresso do pedido na esfera administrativa, haja vista que a alta programada já é, por si só, uma resposta da Administração no sentido de que em determinada data o fato gerador do benefício, qual seja, a incapacidade, não mais existirá.
9. Incidente conhecido e parcialmente provido para, nos termos do RE nº 631.240/MG, (i) afirmar a tese de que, em se tratando de restabelecimento de benefício por incapacidade cessado em virtude de alta programada, desnecessário o prévio requerimento administrativo de prorrogação do mesmo (ii) anular o acórdão e determinar o retorno dos autos à Turma Recursal de origem para adequação do julgado segundo a premissa ora fixada, nos termos da Questão de Ordem nº 20 da TNU. (PEDILEF 5006414-91.2012.4.04.7005.RELATOR: JUIZ FEDERAL DOUGLAS CAMARINHA GONZALES).
             O voto sofreu dois destaques. Um por entender um dos membros que se tratava de matéria processual. Outro do juiz federal João Batista Lazzari, mas apenas para salientar a importância de divulgar a decisão daquela colenda Turma, pois, de certo, a repercussão da decisão ajudará a muitos a garantirem o acesso a justiça, mormente em épocas de greves do setor administrativo e também de perícias médicas, anunciada nos últimos dias. Saliente-se que, apesar do destaque, o voto foi provido pelo Colegiado.
         Então o prévio requerimento seria desnecessário apenas para fins de restabelecimento única e exclusivamente no caso de auxílio-doença? Entendemos que não.
               Na esteira do raciocínio do STF, o restabelecimento de todos os benefícios cessados, onde a relação jurídica previdenciária já fora "startada" (iniciada), a ação que postula o restabelecimento do benefício prescinde de prévio requerimento é desnecessária.
               E LOAS? Também, em nosso sentir. Caso típico é de uma série de benefícios assistenciais que foram suspensos e até cessados em razão da demanda 669 do TCU, que, ao promover cruzamento de dados entre Detran e beneficiários de LOAS, reavaliou a renda daqueles e, quando encontrou valores per capita superiores a 1/4, extinguiram manutenção do benefício. Esse caso também, seria caso de desnecessidade de prévio requerimento administrativo, uma vez que já havia uma relação entre a Previdência e o beneficiário.

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