sábado, 5 de novembro de 2016

MP Frankenstein, Auxílio-reclusão e Eficácia Social da Norma

“I´ll be back”
                Após engendrar uma articulação para aprovação da PEC 241, que limita os gastos públicos ao acréscimo inflacionário por dez anos, o Governo perdeu fôlego e não conseguiu amealhar as forças necessárias para a conversão da MP 739 em lei.
De Volta ao Mundo dos Vivos – Parte 1
                Agora o esforço legislativo se dará através de um projeto de lei (PL 6427/2016), encaminhado em regime de urgência. O objetivo é manter o ritmo de revisões de benefícios por incapacidade que vinha cessando quase 80% dos benefícios revisados.
De Volta ao Mundo dos Vivos – Parte 2
                Victor Frankenstein, o cientista que busca dar vida ao funesto monstro da literatura mundial, é até hoje conhecido pelo insucesso de sua criação. O mostro, trazido do mundo mortos, não pôde ser reavivado nas condições fisiológicas de sua vida. Aparelhos foram acrescidos, o que causou enorme descompensação e, assim, a falta de controle do criador sobre a criatura.
                O projeto de lei, de igual maneira, além de mudanças já trazidas pela MP, agora é acrescido de mais um instrumento que afunila os meios para obtenção dos direitos sociais. O art. 25 da Lei 8.213/91 ganha a inserção do inciso IV, para determinar que, agora, o auxílio-reclusão demande carência de 18 (dezoito) meses de contribuições.
Nessa quadratura, o art. 26 do referido diploma tem alterada a redação do seu inciso I para sentenciar que apenas os benefícios de pensão por morte, salário-família e auxílio-acidente sejam dispensados da carência.
Toda unanimidade é burra”
                Permeia entre nós o sentimento de que é correto demandar mais requisitos do auxílio-reclusão. Afinal as malfadas e quase criminosas, além de imprecisas, divulgações pela internet acusam o benefício de quase estímulo ao crime. Frases de efeito como “só no Brasil a pessoa comete crime e ganha benefício do governo” nos conduziram a ledo engano sobre o objetivo do auxílio-reclusão.
Eficácia Social
                Sempre que pensamos no porquê de uma norma existir, pensamos nas fontes materiais que ensejaram a criação do regramento e se este, agora positivado, realmente atingiu sua meta. Logo pensemos sobre o auxílio-reclusão.
                Quem tem direito? O dependente daquele que é segurado, pois, mesmo dispensada a carência, o cidadão deve estar trabalhando ou em gozo da manutenção da qualidade de segurado quando da ocorrência do fato gerador.  Daqui depreendemos duas distinções que afastam do pensamento popular: 1) o benefício busca cobrir a família do segurado, e não o segurado que comete o crime. Sua família não pode ser punida pela perda da renda em razão da ação ou comissão de outrem; 2) o benefício não é pago ao “criminoso profissional”.
Afora as situações de manutenção da qualidade de segurado, o benefício, em regra, só pode ser pago para o cidadão que tinha uma atividade profissional lícita. Logo o objetivo do auxílio-reclusão não é beneficiar “a bandidagem”, o criminoso profissional. Mas o trabalhador que, em algum momento da vida, pode ter cometido algum desvio de conduta, considerando a ideia aristotélica de que o homem, possuído pelas paixões, não pode ser controlado, mas tão somente punido pelos seus atos.
Bertolt Brecht
                O auxílio-reclusão, direito do dependente, não serve ao preso. O auxílio-reclusão serve à dona de casa que apanha do marido e teme que ele seja preso e perca, assim, sua única renda, que poderá ser coberta se garantido o benefício.
O afunilamento, através das cobranças de mais exigências para acesso aos benefícios, como é o caso do auxílio-reclusão neste projeto de lei, traduzem a redução da proteção social do Estado, que, cada vez mais se afasta da cobertura dos infortúnios sociais para, assim, diminuir seu desiquilíbrio financeiro sem reordenar sua gestão e sem ferir os interesses de grupos a que devem prestar reverência àqueles que desejam se manter no poder.
Ante ao cerceamento do exercício dos direitos sociais, cabe-nos indagar como Bertolt Brecht: “Que tempos são esses, em que devemos defender o óbvio?”

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