O direito de acesso à justiça está
previsto em nossa Constituição de modo a garantir que todo pleito seja passível
de análise pelo judiciário. Fato incontroverso, é necessário analisar sua
aplicação ao processo previdenciário.
O INSS é a autarquia responsável
pela administração previdenciária, como é sabido. Mas, por vezes, seus
entendimentos administrativos estão em desacordo com o entendimento do judiciário.
Portanto, um segurado bem instruído, por advogado ou não, saberá que seu
direito está resguardado, independente da vontade da Administração Pública.
Chegamos ao ponto: quando é necessário que primeiro a Administração seja
provocada e resista a pretensão do administrado para que se invoque o direito de acesso a justiça?
O entendimento que "o exaurimento
da via administrativa" seria necessário sempre foi pacífico, ao ponto de o
extinto TFR e o TRF da 2a região sumularem tal entendimento.
Súmula 213 do TFR:
O
exaurimento da via administrativa não é condição para a propositura de ação de
natureza previdenciária.
Súmula 44 do TRF da 2a Região:
Para a
propositura de ações de natureza previdenciária é desnecessário o exaurimento
das vias administrativas.
O
entendimento é sufragado pelo princípio da inafastabilidade do Poder
Judiciário.
Mas,
agora, um desafio: será que em todas causas é necessário o ingresso na via
administrativa, ainda que não seja necessário seu exaurimento?
A
resposta nos foi dada pelo STF, através de voto da lavra do Min. Luis Roberto Barroso,
que classificou as ações previdenciárias em três tipos:
(i) as que buscam uma relação inicial com a previdência
social e, portanto, demandam o prévio requerimento.
(ii) as que buscam a melhoria, extensão,
revisão ou continuidade de uma relação com a previdência social, que prescindem
de prévio requerimento
(iii) aquelas cujo indeferimento é notório, ou
seja, cuja pretensão administrativa será de certo de resistida, por não haver
previsão em sua rotina (desaposentação, adicional de 25% para outras
aposentadorias que não a de invalidez, exclusão do fator previdenciário do
professor etc.)
Novo desafio que o processo
previdenciário passou, e teve que dirimir, foi quanto a necessidade ou não de
prévio requerimento para fins de restabelecimento de auxílio-doença.
A chamada "alta programada"
já foi objeto de questionamento judicial. O judiciário entendeu ser legal a
previsão de recuperação da saúde do segurado. Contudo, o que há de ser
verificado aqui é se, por já haver uma relação jurídica com a previdência
social, seria ou não necessário o prévio requerimento do restabelecimento para
fins de postulação judicial.
A previsão do auxílio-doença é de que
tal benefício seja devido para o segurado incapaz por mais de quinze dias
(faça-se a ressalva de que a MP 664 alterou esse prazo para trinta dias, mas
quando de sua conversão, o prazo de quinze dias voltou a viger).
Com efeito, não há previsão de que o
benefício seja cessado pelo simples transcurso de tempo. Mas é devido até
perdurar a incapacidade temporária. Verbis:
Art. 59. O auxílio-doença será
devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de
carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a
sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
A
obrigação de cobrir o evento incapacidade é tamanha que a legislação aplicável,
inclusive, prevê a transformação do auxílio-doença em aposentadoria por
invalidez, quando for verificada a incapacidade total e permanente:
Art. 62. O segurado em gozo de auxílio-doença, insusceptível
de recuperação para sua atividade habitual, deverá submeter-se a processo de
reabilitação profissional para o exercício de outra atividade. Não cessará o
benefício até que seja dado como habilitado para o desempenho de nova atividade
que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for
aposentado por invalidez.
Logo, por ter a
Administração que manter o benefício até que se perdurar a incapacidade, a cessação
indevida do benefício parece-nos já demonstrar a pretensão resistida por parte
da autarquia, sendo desnecessário o prévio requerimento, ou ainda, como
chegou-se a aventar por parte de alguns juízes, a necessidade de Pedido de
Prorrogação (PP).
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso
Extraordinário 631.240 (MG) entendeu que, por já haver uma relação jurídica com
a Previdência Social, as ações que em que se postulasse o restabelecimento do
benefício prescindiriam de prévio requerimento, sendo, inclusive, tal espécie de
ações, elencadas no item 29 do voto do nobre relator. Verbiis:
29. As principais ações
previdenciárias podem ser divididas em dois grupos: (i) demandas que pretendem
obter uma prestação ou vantagem inteiramente nova ao patrimônio jurídico do
autor (concessão de benefício, averbação de tempo de serviço e respectiva
certidão etc.); e (ii) ações que visam ao melhoramento ou à proteção de
vantagem já concedida ao demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício
em modalidade mais vantajosa, restabelecimento, manutenção etc.).
30. No primeiro grupo, como regra,
exige-se a demonstração de que o interessado já levou sua pretensão ao
conhecimento da Autarquia e não obteve a resposta desejada. No segundo grupo,
precisamente porque já houve a inauguração da relação entre o beneficiário e a
Previdência, não se faz necessário, de forma geral, que o autor provoque
novamente o INSS para ingressar em juízo.
Interessante é que o STF, a corte
mais alta, entendeu que as demandas de restabelecimento prescindiriam de prévio
requerimento, mas a maioria do judiciário ainda resistia à ideia.
Contudo, mês passado, na sessão
plenária da Turma nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais
(TNU),o a tese fora fixada por aquele colegiado, que asseverou a desnecessidade
de prévio requerimento para restabelecimento de auxílio-doença. Verbiis:
6. Em 03 de setembro de 2014, o E.
Supremo Tribunal Federal julgou em sede de repercussão geral o RE nº
631.240/MG, no qual se discutia a constitucionalidade da exigência de prévio
requerimento administrativo como condição para propositura de ações judiciais
previdenciárias, à luz das cláusulas da separação dos Poderes e da inafastabilidade
da jurisdição. A Corte assim decidiu, nos termos do voto do Relator, o Eminente
Ministro Luís Roberto Barroso:
“(...)
28. Por se tratar de decisão proferida
em sede de repercussão geral, cuja orientação deverá ser seguida por todos os
demais Tribunais, cumpre demarcar o exato alcance da tese que está aqui sendo
firmada, inclusive para deixar claro a quais situações ela não se aplica. Por
se tratar de decisão proferida em sede de repercussão geral, cuja orientação
deverá ser seguida por todos os demais Tribunais, cumpre demarcar o exato
alcance da tese que está aqui sendo firmada, inclusive para deixar claro a
quais situações ela não se aplica.
29. As principais ações
previdenciárias podem ser divididas em dois grupos: (i) demandas que pretendem
obter uma prestação ou vantagem inteiramente nova ao patrimônio jurídico do
autor (concessão de benefício, averbação de tempo de serviço e respectiva
certidão etc.); e (ii) ações que visam ao melhoramento ou à proteção de
vantagem já concedida ao demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício
em modalidade mais vantajosa, restabelecimento, manutenção etc.).
30. No primeiro grupo, como regra,
exige-se a demonstração de que o interessado já levou sua pretensão ao
conhecimento da Autarquia e não obteve a resposta desejada. No segundo grupo,
precisamente porque já houve a inauguração da relação entre o beneficiário e a
Previdência, não se faz necessário, de forma geral, que o autor provoque
novamente o INSS para ingressar em juízo.
31. Isto porque, como previsto no art.
88 da Lei nº 8.213/1991, o serviço social do INSS deve “esclarecer junto aos
beneficiários seus direitos sociais e os meios de exercê-los e estabelecer
conjuntamente com eles o processo de solução dos problemas que emergirem da sua
relação com a Previdência Social, tanto no âmbito interno da instituição como
na dinâmica da sociedade”. Daí decorre a obrigação de a Previdência conceder a
prestação mais vantajosa a que o beneficiário faça jus, como prevê o Enunciado
nº 5 do Conselho de Recursos da Previdência Social (“A Previdência Social deve
conceder o melhor benefício a que o segurado fizer jus, cabendo ao servidor
orientá-lo nesse sentido”).
32. Assim, uma vez requerido o
benefício, se for concedida uma prestação inferior à devida, está caracterizada
a lesão a direito, sem que seja necessário um prévio requerimento
administrativo de revisão. A redução ou supressão de benefício já concedido
também caracteriza, por si só, lesão ou ameaça a direito sindicável perante o
Poder Judiciário. Nestes casos, a possibilidade de postulação administrativa
deve ser entendida como mera faculdade à disposição do interessado.
33. Portanto, no primeiro grupo de
ações (em que se pretende a obtenção original de uma vantagem), a falta de
prévio requerimento administrativo de concessão deve implicar a extinção do
processo judicial sem resolução de mérito, por ausência de interesse de agir.
No segundo grupo (ações que visam ao melhoramento ou à proteção de vantagem já
concedida), não é necessário prévio requerimento administrativo para ingresso
em juízo, salvo se a pretensão depender da análise de matéria de fato ainda não
levada ao conhecimento da Administração. Há, ainda, uma terceira possibilidade:
não se deve exigir o prévio requerimento administrativo quando o entendimento
da Autarquia Previdenciária for notoriamente contrário à pretensão do
interessado. Nesses casos, o interesse em agir estará caracterizado. (grifos
não originais).
7. A seguir, ementa do julgado:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO
GERAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E INTERESSE EM AGIR. 1. A instituição
de condições para o regular exercício do direito de ação é compatível com o
art. 5º, XXXV, da Constituição. Para se caracterizar a presença de interesse em
agir, é preciso haver necessidade de ir a juízo. 2. A concessão de benefícios
previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando
ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou
se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a
exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias
administrativas. 3. A exigência de prévio requerimento administrativo não deve
prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente
contrário à postulação do segurado. 4. Na hipótese de pretensão de revisão,
restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido,
considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais
vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo
se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da
Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o
não acolhimento ao menos tácito da pretensão”. (...) (grifos não originais)
(RE nº 631.240/MG. Relator: Ministro
Luís Roberto Barroso. DJ: 03/09/2014).
8. No caso dos autos, na esteira do
entendimento consolidado do STF, tratando-se de pedido de restabelecimento de
benefício de auxílio-doença cessado em razão de alta programada, desnecessário
o prévio ingresso do pedido na esfera administrativa, haja vista que a alta
programada já é, por si só, uma resposta da Administração no sentido de que em
determinada data o fato gerador do benefício, qual seja, a incapacidade, não mais
existirá.
9. Incidente conhecido e parcialmente
provido para, nos termos do RE nº 631.240/MG, (i) afirmar a tese de que, em se
tratando de restabelecimento de benefício por incapacidade cessado em virtude
de alta programada, desnecessário o prévio requerimento administrativo de
prorrogação do mesmo (ii) anular o acórdão e determinar o retorno dos autos à
Turma Recursal de origem para adequação do julgado segundo a premissa ora
fixada, nos termos da Questão de Ordem nº 20 da TNU. (PEDILEF 5006414-91.2012.4.04.7005.RELATOR:
JUIZ FEDERAL DOUGLAS CAMARINHA GONZALES).
O
voto sofreu dois destaques. Um por entender um dos membros que se tratava de matéria
processual. Outro do juiz federal João Batista Lazzari, mas apenas para salientar
a importância de divulgar a decisão daquela colenda Turma, pois, de certo, a
repercussão da decisão ajudará a muitos a garantirem o acesso a justiça, mormente
em épocas de greves do setor administrativo e também de perícias médicas,
anunciada nos últimos dias. Saliente-se que, apesar do destaque, o voto foi
provido pelo Colegiado.
Então o prévio requerimento seria
desnecessário apenas para fins de restabelecimento única e exclusivamente no
caso de auxílio-doença? Entendemos que não.
Na esteira do raciocínio do STF, o restabelecimento
de todos os benefícios cessados, onde a relação jurídica previdenciária já fora
"startada" (iniciada), a ação que postula o restabelecimento do benefício prescinde de prévio requerimento é
desnecessária.
E LOAS? Também, em nosso sentir.
Caso típico é de uma série de benefícios assistenciais que foram suspensos e
até cessados em razão da demanda 669 do TCU, que, ao promover cruzamento de
dados entre Detran e beneficiários de LOAS, reavaliou a renda daqueles e,
quando encontrou valores per capita superiores a 1/4, extinguiram manutenção do
benefício. Esse caso também, seria caso de desnecessidade de prévio
requerimento administrativo, uma vez que já havia uma relação entre a
Previdência e o beneficiário.
Dúvidas?
profthiagoluis@gmail.com
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